terça-feira, 26 de outubro de 2010

O MITO DA MINA CHILENA

(Por Deividh Vianei Ramalho de Sá)

Durante mais de dois meses o mundo acompanhou, angustiado e ansioso, o drama de 33 mineiros soterrados em uma mina situada no Chile. O drama encerrou-se a poucas semanas com o brilhante resgate de todas as vítimas. Destes fatos, começando pela tragédia do soterramento até o triunfal resgate dos trabalhadores, muitos destaques se extraem do caso: a perseverança dos mineradores pela luta à vida; o patriotismo chileno; a tecnologia utilizada no resgate; a solidariedade mundial; o espaço aberto às ciência para uma análise de um confinamento sem precedentes; entre outros.

Mas algo ainda parece ter ficado soterrado na mina, algo que não veio à luz da realidade. Um antigo conto nos ajudará a entender melhor do que estamos falando. Trata-se de uma lenda que também envolve caverna, escuridão e pessoas confinadas.

Referi-mo ao "Mito da Caverna", texto escrito por Platão no século IV a.C., pela qual o filósofo narra, em síntese, a seguinte alegoria: no interior de uma caverna haviam seres humanos, que nasceram e cresceram ali e econtram-se presos em correntes. Neste local há um muro bem alto separando o mundo externo da caverna, nesta existe uma fresta por onde passa um feixe de luz exterior de uma fogueira que encontra-se na superfície.

As pessoas que neste local se encontram apenas enxergam as sombras, produzidas pelo feixe de luz, de outros homem que se apresentam no exterior carregando estatuas. Os enclausurados acreditariam que aquelas sombras, que eram cópias imperfeitas de objetos reais, eram a única e verdadeira realidade.

Um dos prisioneiros consegue soltar-se das amarras dos grilhões e se desloca à superfície, onde constata uma realidade que desconhecia. Encantado, o homem desce à caverna e, após expor aos outros prisioneiros o que vira, é hostilizado pelos prisioneiros, os quais acabam matando-o por acreditar tratar-se de mentira.

O filósofo grego buscou com esta alegoria demonstrar que é possível passarmos da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade.

O caso dos 33 mineradores do Chile sugere uma análise à luz do "Mito da Caverna", posto que existe algo que precisa ser clareado neste fato. É preciso levar à luz da realidade algumas questões que ficaram soterradas. De fato, enquanto nos detemos ao apaixonante patriotismo chileno ou a solidariedade mundial, deixamos de dar espaço ao que motivou toda a tragédia.

Deixamos às escuras o cenário de exploração em que vivem estes e tantos outros mineiros e outros trabalhadores espalhados pelo mundo nas garras de imperadores do capital. O caso da mina chilena não foi o primeiro e, com certeza, não será a última fatalidade decorrente das mãos de exploradores.

O patriotismo chileno e o show de tecnologia foram, de fato, momentos louváveis de se contemplar, bem como foi louvável a atitude mundial para com os mineiros. Entretanto, não podemos esquecer que caso a raiz do problema fosse tratada não se teria o dramático acidente e tantos outros fatais que não são postos a mídia. Refiro-me as condições que se encontravam os trabalhadores: exploração, falta de segurança, descaso, etc.

Situações como a do Chile acontecem diariamente em nossa realidade e não precisamos de minas ou cápsulas para nos assemelhar ao mineiros chilenos. Com efeito, a exploração está no empregado que recebe do empregador salário por fora e assim deixa de contar a real remuneração para sua aposentadoria; para a empregada doméstica que não tem sua carteira de trabalho assinada; nas diversas situações de doença profissional ou acidente de trabalho de empregados em grandes empresas, para o trabalho escravo e tantas outras situações de exploração e egoísmo.

Mas como bem ilustra o maior discípulo de Sócrates, os fatos nos apresentam como meras sombras do que realmente são e não estamos dispostos a enxergar além dela, antes nos conformamos com toda sorte de eufemismo que nos é posto na parede da caverna, deixando de enxergar a verdadeira realidade que encontra-se na superfície.

Deividh Vianei Ramalho de Sá

dvrsa@hotmail.com

Advogado e Educador Social

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