segunda-feira, 6 de julho de 2009

A PROFECIA QUE SE CUMPRIU = UMA DÉCADA DE TRABALHO COM ADOLESCENTES (parte 1)

No ano de 1998 eu trabalhava numa loja de instrumentos musicais, pretendia fazer um curso superior, contudo, me parecia um sonho distante.
Eu não tinha decidido que profissão escolher, apenas orava a Deus para que Ele me direcionasse.
Nesse ínterim eu tive um sonho: neste, eu estava na loja em que eu trabalhava quando um senhor (atual pastor) entrava com dois vasos de plantas, um deles com uma grande flor, o qual esse senhor entregava para outra pessoa que estava comigo. Para mim, ele entregava um vaso em que não tinha nenhuma flor, apenas a pequena plantinha.


Quando acordei fiquei a pensar o que poderia significar o referido sonho. No dia seguinte o sonho não saia da minha mente, todavia, eu nem pensei em ligar e contar o sonho ao irmão em Cristo até que naquela mesma manhã, sua esposa adentrou a loja por engano, me reconheceu e começou a conversar. Contei a ela o sonho que tivera e por orientação dela liguei no jornal O PARANÁ onde o esposo dela trabalhava e ele prontamente me atendeu. Após me ouvir, orou e disse que Deus revelara o sonho, bem como Deus mostrara a ele eu trabalhando com muitos adolescentes...
Não duvidei. Porém, trabalhar com adolescentes não era minha pretensão nem nos sonhos.


Em suma: alguns meses depois, mais precisamente, em fevereiro de 1999, eu fui contratada pelo S.O.S. Criança como educadora social de rua, atender crianças e adolescentes em situação de risco social. Após três anos aproximadamente, trabalhei como docente para adolescentes de 13 a 16 anos num contraturno social (EURECA I). Algum tempo depois coordenei os abrigos de meninos adolescentes (Casa de Passagem e Casa República). No mês de fevereiro de 2004, assumi o concurso público e atuei como coordenadora pedagógica novamente no contraturno social EURECA I e na seqüência nos abrigos de meninos e meninas adolescentes.


Quando pedi transferência para a secretaria de educação (após o assassinato de um colega de trabalho) fui atuar como professora regente de crianças. Então pensei que o meu tempo com adolescentes acabara. Logo percebi que não, ainda não tinha acabado quando fui convidada juntamente com meu esposo para coordenar os adolescentes na Igreja na qual congregamos. Estamos no terceiro ano com esse grupo de adolescentes e assim, este ano completou uma década de experiência e aprendizado.

Enquanto exerci minha profissão com adolescentes (TRABALHO SECULAR), vivenciei situações que jamais serão esquecidas, poucas boas, a maioria, degradantes:
Presenciei o que é um adolescente pelos caminhos da violência;
Contemplei inúmeros velórios de vítimas precocemente assassinadas;
Acompanhei diversas gravidezes precoces, assim como aborto, abandono de incapaz e adoção
de crianças;


Contemplei a indiferença de pais que simplesmente entregavam seus filhos para a polícia ou para o conselho tutelar ou ainda para as ruas...


Convivi com ameaças, com medo, incerteza por conta do tráfico de drogas;


Vi, incontáveis vezes o que é crises de abstinência, desespero, terror...
Perdi um amigo que foi assassinado por aqueles que nós levávamos no nosso carro para passear, ir a igreja...
Outro colega Jairo, perdeu sua condição de estudante universitário, de vida normal, após um tiroteio na unidade de internação em que trabalhava...


Participei de denúncias de abuso em que o acusado pegou 12 anos de cadeia...
Enxuguei lágrimas de crianças vítimas de maus tratos, abuso físico, psicológico, sexual.
Vi de perto o que é pedofilia... atentado ao pudor...


Abracei adolescente desesperado após audiência judicial em que os seus irmãos foram adotados por família italiana...e o Alexandre nem pode se despedir deles...por meses lamentou, chorou...
Acompanhei adolescentes que lutou desesperadamente para sair das drogas, se livrar dos traficantes e depois de muito esforço, um bom trajeto percorrido, cair denovo...

Estupefata, por muitas vezes, vi policiais tirando proveito da condição de meninas adolescentes de e na rua...


Ouvi sobre o quanto a polícia é odiada pela comunidade de e na rua, nos abrigos... e triste que na maioria das vezes, tínhamos que compactuar com as vítimas...


Eu e meu esposo, enquanto ainda namorávamos, trabalhamos na rua num domingo, dia dos pais e encontramos um menino que havia desaparecido de casa há dias, colocamo-lo numa caixa encapada com papel de presente e o levamos para casa dele, para seu pai... que além de ser dias dos pais era aniversário do pai do menino, vimos ali, uma real volta do filho pródigo, não tem como lembrar sem chorar...


Houve uma ocasião em que recebemos uma denúncia de que duas crianças foram abandonadas numa casa fechada. Os visinhos viram a mãe e o padrasto sair cedo sem as crianças... Mais tarde ouviram choro...


Ao receber a denúncia, (era horário de almoço e o conselho tutelar estava fechado Naquela época, nesse caso, competia ao S.O.S. criança atender a denúncia), lá fomos nós, eu o Deividh, (também educador social) e o motorista. Ao chegar na casa, arrombamos a janela, eu pulei a mesma, ufa! (é difícil lembrar desse fato), encontrei uma linda menina de cabelos longos loiros com 4 anos de idade “cuidando” de sua maninha de 4 meses, esta chorando muito, com fome, fedendo, mal cuidada...
O Deividh, do lado de fora pegou as duas pela janela... Ficaram mais lindas ainda após banharmos as duas e conseguimos doações de roupas... de fato, ficaram cheirosas e...que triste ter que levá-las ao conselho tutelar para tomar as decisões cabíveis...o nome da princesinha de 4 meses, eu me lembro e sempre que eu ouvir o nome Cássia, vou me lembrar dela...e também de tantas crianças que são vítimas de abandono entre outros tipos de violência.

4 comentários:

Loidy disse...

Querida Cleonice, impossível não ler seu relato e não se derramar em lágrimas. Infelizmente o mundo e também "nossas" crianças estão precisando de Deus. Lindo seu trabalho, e ao mesmo tempo doloroso, talvez não seria forte e corajosa como foste. Que o Senhor continue lhe abençoando. Que seu ministério cresça para honra e glória de nosso Deus e parabéns pela coragem, determinação e ousadia. Que Papai do Céu lhe recompense. Um abraço

Cleo e Sara disse...

É amiga Loidy, foi difícil escrever, justamente por ter que relembrar, tanto é que eu comecei falando dos adolescentes e terminei o texto com um relato das crianças abandonadas, depois percebi a incoerência textual mas é que meus pensamentos voltaram no tempo...então postei assim mesmo...

obrigada amiga, por ler um texto tão extenso...beijos

De cara limpa! disse...

Cleo, não preciso dizer como aprecio o teu trabalho, teu e do Deividh. Quando ouço, e agora lendo os seus relatos, arde o meu coração com uma vontade imensa de abraçar a causa, abraçar o mundo... Você sabe melhor do que ninguém como é árdua essa guerra, tão ardua que talvez eu nem consiga supor, ainda assim, o coração continua ardendo! Mas, porém, entretanto, contudo... Sabe que rumo as coisas tem tomado né?!
PARABÉNS! Admiro demais a força de vocês! Beijos e amo-os de coração!

Edson de Souza disse...

Oi Cleonice...
Lendo o teu relato me lembro de muitas coisas que as vezes procuro deixar de lado, e tento esquecer, mas que teimam em não me deixar em paz... Hoje não atuo mais na área mas não tem como ficar imune as lembranças e muito menos indiferente a calamidade social que vivemos... Só queria te dizer que acho que as coisas que fizemos foi por acreditar que isso pode mudar, voce por suas convições eu por minhas, que em muitos momentos estiveram lado a lado...Por varios momentos duvidei de toda as minhas convicções e hoje ainda tenho dificuldades sempre que me lembro da paixão que me levava a trabalhar nessa área, pra gente era mais que um trabalho, era uma missão dentro de nossas crenças e ideais... Bom não vou fazer um relato, hehehe, só quero que tu saiba do respeito que tenho por ti e que a tua história de vida me ajuda a acreditar que as coisas e pessoas podem mudar...
Abraços
Edson de Souza